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ECA 35 anos: especialistas traçam balanço das três décadas e meia do Estatuto

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA completa 35 anos neste domingo, 13 de julho. As três décadas e meia de vigência do Estatuto foram marcadas por avanços estruturais e pela consolidação da doutrina da proteção integral, e esses avanços são celebrados por especialistas ouvidos pelo IBDFAM.
No entanto, eles também alertam para estagnações, retrocessos e lacunas que ainda comprometem a efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, especialmente diante de novos desafios sociais e tecnológicos.
O procurador de Justiça Sávio Renato Bittencourt Soares Silva, presidente da Comissão da Infância e da Juventude do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, afirma que o êxito do ECA é colocar a criança, em pauta, no centro das discussões sociais. “A criança passou a ser considerada, para o Direito, o principal sujeito de direitos das relações que ela vivencia.”
“O ECA teve esse mérito. Conseguiu influenciar tanto na parte administrativa do Poder Executivo quanto na parte jurídica da interpretação de que a criança é a principal pessoa, cujos interesses devem ser colocados a salvo prioritariamente, antes dos outros, e da melhor forma possível”, explica.
Sávio ressalta a criação de promotorias específicas, dos Juizados da Infância e Juventude, do Sistema Nacional de Adoção, e de toda a estruturação da assistência social que é feita com base, muitas vezes, no direito da criança. Tudo isso, segundo ele, é enraizado na consciência jurídica nacional e se deve ao ECA.
Sávio Bittencourt destaca que o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das leis que mais foram modificadas. Entre as modificações mais relevantes, ele cita a Lei 12.010/2009, a nova Lei de Adoção.
“Se você entrar em um site legislativo que mostre as modificações no texto original, verá que o ECA atualmente é modificado todo ano para a inclusão de uma ou outra necessidade, para defender um ou outro grupo social”, observa.
Segundo ele, nenhuma lei pode ser canonizada. “O Estatuto merece ser criticado, porque só assim vamos evoluir para um Direito mais protetivo.”
“O ECA precisa ser criticado porque faz parte da evolução da legislação. Para que as modificações sejam pertinentes, debatidas, os atores sociais podem ser chamados a conversar sobre a crítica, sobre as intenções nas mudanças de legislação”, afirma.
Inovações
O procurador de Justiça avalia que novas questões contemporâneas, como o uso excessivo de telas, cyberbullying e sharenting, entre outras, não encontram uma solução no Estatuto atual, motivo pelo qual “é necessário operar por meio dos princípios”.
“Isso faz com que o ECA, por exemplo, ainda preveja a necessidade de as pessoas fazerem classificações de programas na televisão, no cinema, no teatro, esse programa impróprio para menores de 14 anos, coisas da natureza. Enquanto, na verdade, a criança na rede social tem praticamente acesso a tudo. Estamos em um descompasso com essa novidade, e é algo absolutamente difícil de regular”, observa.
O especialista reconhece que novas regras foram criadas por meio do marco civil da internet, mas “que não há, satisfatoriamente, uma legislação a respeito da participação de crianças”.
“Seria interessante que tivesse uma legislação especializada para tratar dessas novidades, porque o ECA ainda funciona no modelo do século passado. Ele não se adaptou e não foi adaptado porque realmente toda a legislação brasileira está começando a se adaptar a isso agora. Não é algo fácil de fazer, mas nós precisamos evoluir nesse sentido, de fazer a proteção das nossas crianças nessa atividade de internet”, pontua.
Sávio cita consequências do mau uso da internet, como depressão infantil e a prática de crimes e atos infracionais incentivados por influenciadores, e reafirma a importância de proteger as crianças nesse ambiente digital. “Precisamos de um aprimoramento legislativo que passe por esse debate democrático.”
Desafios
A presidente da Comissão Nacional de Adoção do IBDFAM, Silvana do Monte Moreira, avalia que apesar dos avanços conquistados, ainda há um grande número de crianças e adolescentes acolhidos que não chegam a ser adotados. “Essa realidade é muito dura e tem persistido.”
Atualmente, explica Silvana, há 34.480 crianças e adolescentes em acolhimento, desses apenas 5.408 aptos à adoção, enquanto 5.769 em processo de adoção, 3.118 com irmão ou irmãos. Os dados são do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento – SNA. “A quantidade dificulta, assim como as idades, enquanto a etnia deixou de ser o grande entrave.”
Ela lembra que o STJ garante o atendimento do superior interesse da criança, mas, apesar disso, ainda surgem decisões de primeiro grau que desconhecem esse direito, notadamente quanto se trata de convivência familiar pela via da adoção. “Crianças são retiradas de seus ninhos de afeto, estágios de convivência são bruscamente interrompidos, irmãos perdem o contato com os outros irmãos por razões sem qualquer fundamento, ferindo mortalmente o que disciplina o artigo 227 da CRFB.”
“Ainda temos magistrados que desconhecem a adoção compartilhada, tratando essa forma de adoção como um absurdo jurídico e, assim, impedindo a convivência fraterna. O maior abismo, no meu entendimento, é o não cumprimento dos prazos estabelecidos no ECA sem que ocorra nenhum prejuízo a quem os descumpre, recaindo o prejuízo sempre na criança”, observa.
Investimento
Na visão da especialista, “falta vontade, investimento e colocação da criança e do adolescente no real lugar de únicos sujeitos de direitos, aos quais foi conferida prioridade absoluta constitucional no atendimento de seu superior interesse”.
Para ela, “Tribunais de Justiça que não tenham varas com competência exclusiva em Infância e Juventude, que não tenham equipes interdisciplinares em número suficiente ou que não cumpram os prazos determinados pelo ECA, não deveriam receber prêmios do CNJ, pois se trata de incentivo à invisibilidade tão condenada pelo IBDFAM”.
Silvana acrescenta: “Faltam, também, campanhas de conscientização da entrega voluntária em adoção, do direito que a genitora tem de fazer essa entrega em sigilo, evitando o abandono de incapaz”.
A diretora nacional do IBDFAM acredita que Estado e a sociedade devem “parar de apagar o abandono, os maus-tratos, os abusos e a negligência perpetrada contra esses sujeitos de direitos em situação de extrema vulnerabilidade”.
“É preciso que os operadores do Direito parem de lutar, até o ponto de exaurir a infância, em reintegrações meramente biológicas e despidas de afeto. Para que as alterações legislativas aconteçam é preciso vontade do legislador para os quais, de igual forma, essa parcela da população que não vota, não é economicamente ativa, não tem rosto nem voz, saia debaixo do tapete da invisibilidade”, conclui.
Por Débora Anunciação
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